Como fazer um roteiro para um filme

Última atualização
02 out 2023
Tempo de leitura
13 min

O roteiro é um documento essencial para que projetos audiovisuais ganhem forma. Neste texto, você irá encontrar dicas de como elaborar o seu de forma estruturada e profissional.

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Trata-se de um documento narrativo que guia as cenas e diálogos de qualquer produto audiovisual: filmes, comerciais publicitários, programas de tv, animações, vídeos para redes sociais, podcasts, videocasts e até mesmo os games. Neste texto, iremos focar na construção de um bom roteiro para filmes e séries.

O roteiro é essencial para que o projeto ganhe forma, pois é a partir desse documento que os processos de produção começam. Por exemplo, o produtor lê o roteiro e desenvolve uma lista do que será necessário, prepara um orçamento prévio de custos, busca os profissionais necessários para o projeto dar continuidade (como maquiador, cinegrafista, editor de vídeo), define qual será o local da gravação, quais são os personagens, etc.

É importante ressaltar que o roteiro é um documento que passa por várias revisões e tem alterações contínuas até chegar a uma versão final. Existem filmes que demoraram anos para terminar o processo de escrita e revisão do roteiro. Cidade de Deus, dirigido por Fernando Meirelles e Kátia Lund e roteirizado por Bráulio Mantovani, por exemplo, passou por 12 tratamentos (revisões e alterações, no jargão audiovisual) até ficar pronto.

Cena do filme “Cidade de Deus” / Produzido pela O2 Filmes, Globo Filmes e VideoFilmes e distribuído pela Lumière Brasil. Foto: Reprodução.

Como começar a escrever um roteiro

O roteiro não conta a história, ele “mostra” como será a história. Diferentemente da literatura, em que é possível descrever emoções e os sentimentos dos personagens, no roteiro, isso deve ser evidente através das ações.

Ao ler o documento, uma pessoa deve ser capaz de imaginar o que o roteirista quis dizer. Por exemplo, num roteiro a montanha do Everest não deve ser descrita minuciosamente, mas o que vai acontecer com os personagens naquele lugar. O roteirista deve ser capaz de traduzir imageticamente o que ele quer para as cenas.

E para que isso aconteça, indicamos algumas dicas essenciais para desenvolver um roteiro. Mas, lembre-se, cada autor tem seu próprio método de criação.

Tire a ideia do papel

Uma boa ideia por si só não é suficiente. Para tornar concreto o que está na sua imaginação, é preciso ter uma boa história, personagens bem desenvolvidos e um bom conflito.

Desenvolva sua história

Ideias simples, aquelas que a gente não se perde para contar, acabam rendendo grandes histórias. Uma ideia aparentemente simples pode ser desenvolvida com maestria. Um bom exemplo é Aquarius, do cineasta brasileiro Kleber Mendonça Filho, de 2016. O longa gira em torno da personagem vivida pela atriz Sônia Braga, que trava uma batalha contra uma construtora. A empresa quer derrubar o prédio em que a personagem vive (e é a única moradora), mas que se nega a vender seu apartamento, impossibilitando a transação imobiliária. O filme foi indicado à Palma de Ouro no 69ª Festival de Cannes e ganhou diversos prêmios latinoamericanos.

Para que uma ideia simples seja bem retratada é preciso pesquisar sobre o tema e se perguntar: isso já foi feito? O que de novo pode ser acrescentado? Outro ponto importante é definir o gênero, se será um drama, uma comédia ou quem sabe um suspense.

Busque referências

Embora cada roteirista desenvolva seu próprio processo, pesquisar sobre o tema que se deseja retratar é uma importante etapa para embasar a história. Um caminho é a leitura de livros especializados e manuais e a realização de cursos na área, como o Curso de Roteiro para Cinema, TV e Games da EBAC.

Outra dica é acompanhar profissionais do audiovisual falando sobre seus projetos. No livro Três Roteiros, Kleber Mendonça Filho compartilha o roteiro de seus longas Som ao Redor, Aquarius e Bacurau. Em episódio do podcast Primeiro Tratamento, Janaina Tokitaka, escritora e ilustradora, conta sobre sua carreira e processo criativo no episódio 215, de junho deste ano. Janaina foi chefe de sala de roteiro da série De Volta aos 15 (da Netflix).

Um dos melhores filmes de terror da década, Corra! é um filme essencial para amantes do gênero edo cinema de forma geral. A trama acompanha um fotógrafo negro que viaja com a namorada para conhecer os seus sogros (todos brancos). E não demora até que ele se depare com situações bizarras envolvendo aquela família.

Corra! foi escrito e dirigido pelo comediante Jordan Peele, que entrou para a história como o primeiro homem negro a vencer o Oscar de Melhor Roteiro Original. Aqui, você pode ver o roteiro do filme (em inglês).

Corra! - Trailer Oficial (Universal Pictures) HD

Saiba quem é o público-alvo

É preciso ter clareza para qual público você está escrevendo. São crianças ou adultos acima de 35 anos? O filme é um comercial publicitário ou um vídeo institucional de uma empresa para seus próprios funcionários?

Defina a viabilidade do projeto

De forma objetiva, é identificar de onde virá o financiamento para o projeto. O roteiro será inscrito em algum edital, lei de incentivo à cultura ou oferecido a alguma produtora? A ideia está de acordo com a realidade de seu orçamento? Assim, será possível desenhar uma estratégia para tornar sua ideia viável.

Defina o conflito

Esse é o passo principal para escrever um roteiro. O conflito é um elemento básico da dramaturgia, segundo o roteirista Robert McKee: “em uma história, nada se move para frente se não for através de conflito”. Na dramaturgia o conflito é gerado a partir da necessidade frustrada do personagem, ou seja, quando ele não consegue o que deseja.

Existem três tipos de conflito: o interno, do protagonista consigo mesmo, o pessoal entre o protagonista e outro personagem e o externo, entre o protagonista e outro elemento. Como exemplo de conflito extrapessoal, em Erin Brockovic, a atriz Julia Roberts luta contra a empresa de energia PG&E; no longa 127 Horas, James Franco vive o escalador Aron Ralston, que fica preso em um cânion, em Utah, após o deslizamento de pedra por cinco dias.

Desenhe a curva dramática

O enredo cria tensão, o que torna uma história interessante e divertida. A história parte de um ponto inicial equilibrado, que apresenta a situação ao espectador em seu estado de repouso. Até que algo acontece e provoca uma ruptura de conforto, promovendo uma tensão. Então, o protagonista parte para a busca de um novo equilíbrio, que é representado pelo crescimento da curva. O clímax é o ponto em que o conflito alcança seu máximo e se resolve. Ou seja, a curva dramática é basicamente a variação de intensidade do filme em relação ao seu tempo de narrativa.

Dica: introduza tensão à história usando a oposição. Um antagonista pode ser um vilão, um rival, uma falha de caráter ou circunstâncias externas, como a sociedade como um todo. A tensão vai aumentando cada vez mais até que um novo equilíbrio seja estabelecido.

Construa personagens consistentes

Um bom filme precisa de bons personagens. Sem eles, não existirá história. Um exemplo é Jamal Malik, um rapaz indiano de 18 anos que teve uma infância difícil, lidando com a violência e a miséria. Em dado momento, ele é chamado para participar da versão indiana do famoso programa de TV Quem quer ser um milionário? e sua experiência de vida o ajuda a responder as perguntas do show televisivo.

'QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?' (TRAILER OFICIAL LEGENDADO)

Desenvolva personagens consistentes, que tenham personalidades com camadas e nuances. O que ele mais gosta de fazer? Qual seu tipo de música preferida? Como foi sua infância e adolescência? Essas informações não estão respondidas no roteiro, mas saber a fundo como é cada personagem, os torna mais reais na hora da escrita e se tornam consistente. Mesmo o cara mau deve ter uma razão para ser mau, embora possa ser injustificado. Existem várias técnicas para traçar o perfil de um personagem. A mais conhecida são as fichas ou formulários onde o roteirista preenche as informações com as características do personagem.

Um bom exemplo de ficha de personagem é inspirado no modelo apresentado por Walter Lima Jr., diretor do longa Através da Sombra, de 2016. Ele estrutura a ficha de personagem da seguinte forma:

  • Aspectos físicos: idade, estado de saúde, cor de olhos e cabelos, peso, pele, voz, cacoetes e características específicas.
  • Dados sociais: nome, região onde mora, pessoa religiosa ou não, profissão, classe econômica e ideário (o conjunto de ideias políticas e sociais sobre o mundo).
  • Aspectos psicológicos: qualidades, defeitos e medos. Também podem ser descritas ambições, manias e fugas, bem como os sentimentos em relação aos demais personagens da narrativa.
  • Biografia: rápida descrição do histórico da personagem, contando episódios importantes de sua vida.

Esse modelo não é rígido. Você pode mudar sua ficha da forma que quiser. Inclusive, colocando ou retirando alguns campos.

Por exemplo, um personagem galã pode ter alguns arquétipos clássicos. O galã badboy é o mais famoso de todos. Se o filme se passar em uma escola, ele será o mais popular e o cara mais atraente. Mas temos também o galã antipático: seu passado tem uma história difícil, é frio e ríspido com as pessoas e principalmente com o personagem protagonista em uma comédia romântica. No entanto, ele tem seus momentos sentimentais e, no fim, acaba superando seus traumas e descongelando o coração através do amor pela pessoa amada.

Um bom perfil de personagem, além de te ajudar a determinar certas ações ou falas dentro do enredo, faz com que outras pessoas da equipe – dos atores a direção de arte – tenham uma base concreta para trabalhar.

Faça o argumento

Esta é uma ferramenta de trabalho do roteirista para o desenvolvimento do roteiro. Com a história, o enredo, o conflito e os personagens na cabeça, é a hora de escrever o argumento: um texto corrido que conta de forma simples qual é a história. Deve ser escrito em parágrafos e em discurso direto, no tempo presente, e mantendo uma ordem de começo, meio e fim.

É no argumento que os personagens são apresentados. A leitura deve ser agradável e engajadora, pois é comum que essa ferramenta seja usada para apresentar o projeto de audiovisual às produtoras, empresas e equipes.

Não existe muito consenso com relação ao tamanho do argumento. Para autores iniciantes recomenda-se algo em torno de 3 a 5 páginas. Ao terminar de escrever, leia o argumento em voz alta e peça para outras pessoas lerem e darem feedbacks sobre o que entenderam.

Reescreva quantas vezes for necessário para que seja compreensível, claro e prenda o leitor.

Legenda: argumento de um trecho do argumento de O Iluminado. As demais páginas podem ser lidas aqui, em inglês. Trecho traduzido pela Tetúlia Narrativa.

Faça a escaleta

Após descrever o argumento, é hora de estruturar a escaleta. Trata-se de um “resumo” de cada cena a fim de demonstrar como a história irá se desenvolver.

A escaleta é uma ferramenta para auxiliar o roteirista a montar a ordem das cenas e acertar o ritmo do filme. O habitual é incluir um cabeçalho com a indicação da cena e uma breve descrição da situação e a ação do personagem.

Cada roteirista aplica o nível de detalhamento que prefere ao fazer a escaleta, ou seja, não existe uma regra. Uma escaleta bem escrita ajuda a visualizar a importância de cada cena, o seu ritmo e a função dela dentro da macroestrutura. A escaleta deve ter as indicações e separações das cenas, as situações e ações do personagem. Na escaleta, cada ação dos personagem deve estar clara para quem lê.

Escreva o roteiro

Com tudo feito até aqui e os personagens desenvolvidos, é hora de escrever. Existe um padrão para alguns elementos do documento que devem ser seguidos para que o roteiro tenha uma “cara” mais profissional. O formato mais comum é Master Scenes: cada página corresponde a um minuto de filme rodado, o que permite que o roteirista tenha noção do tempo do filme enquanto o escreve.

Normalmente, um roteiro de longa-metragem de Hollywood tem entre 95 e 120 páginas. Comédias costumam ser mais curtas e dramas, mais longos. São escritos necessariamente na fonte Courier – tamanho 12 e entregues à equipe em fichários – nunca encadernados! Isso porque é comum acontecerem edições no textos, e as páginas são mais fáceis de serem substituídas assim.

Existem diversos modelos de roteiro disponíveis na internet, mas também softwares que automaticamente padronizam o roteiro. Os mais usados pelos roteiristas profissionais são Final Draft, Celtx ou Trelby, os dois últimos têm uma versão gratuita.

A diagramação “esquisita”, cheia de espaçamentos, serve justamente para para receber comentários.

Exemplos de roteiros

Com todas as dicas que passamos, agora é a hora de elaborar o seu próprio roteiro. Para ajudar, destacamos dois modelos de roteiros.

A dica de ouro é: revise. Não apenas uma, mas 20, 100 vezes. E de preferência leia em voz alta. Ao ler, é preciso visualizar cada cena e cada fala do personagem. Pedir ajuda para que alguém leia as outras falar pode ajudar no processo.

Depois disso, apresente o roteiro para alguém mais experiente nessa área e aceite os feedbacks com um olhar positivo para que seu projeto seja um sucesso!

Exemplo a partir do roteiro de “Cidade de Deus”

Cabeçalho de cena

O cabeçalho introduz uma nova cena. Geralmente, uma nova cena é criada quando existe alguma mudança de lugar ou tempo. Ele aparece sempre em letras maiúsculas e tem informações sobre o local em que a cena acontece e em qual momento do dia, se de noite, por exemplo.

Se a cena é dentro de alguma locação usamos a sigla “INT”, para “interno” e se for externa, “EXT”, para cenas que serão filmadas em ambientes abertos.

Veja o exemplo abaixo:

INT. BIBLIOTECA DA ESCOLA – DIA

EXT. PRAÇA DA CIDADE – NOITE

Ação

Depois do cabeçalho vem a ação, que é a descrição do que ocorre na cena, sempre no tempo presente: “Maria lentamente coloca a mão na maçaneta e abre a porta de casa”.

Diálogos

Os diálogos em roteiro não precisam ser anunciados (Exemplo: “O personagem fala: blá blá”). O nome do personagem antecede o diálogo para sabermos quem fala.

BUSCA PÉ

‘“O Trio Ternura não tinha medo de ninguém… Nem da polícia

Transição

Indica um corte específico de uma cena para outra. Termos como, CORTA PARA, FUSÃO PARA, MATCH PARA, são usados assim, em caixa alta. As transições entre todas as cenas caiu em desuso, por isso, só utilize quando necessário por questões conceituais ou de linguagem.

Página inicial / Audiovisual
Juliana Vaz

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