Nátaly Neri e moda sustentável: mais do que roupas, um posicionamento político
Em entrevista para a EBAC, Nátaly Neri conta sobre a sua relação com a moda sustentável que está presente em sua vida há anos
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Nátaly Neri, 29 anos, é cientista social e criadora de conteúdo. Considerada uma das pioneiras quando o assunto é influência digital, Nátaly vem fazendo um trabalho extraordinário ao longo desses sete anos que está na internet. Não é por acaso que ela tem, hoje em dia, uma comunidade de seguidores bastante fiel e engajada.
Entre as pautas que Nátaly aborda em suas redes sociais, uma das que se destacam é a da moda sustentável. Looks de brechó estão presentes em sua vida há muito tempo e, mais do que roupas, para Nátaly, moda sustentável tem tudo a ver com posicionamento político.
Para entendermos melhor o papel da moda sustentável em sua vida, conversamos com Nátaly que nos contou como o interesse por moda surgiu; como a moda sustentável tornou-se importante; quais desafios ela enfrenta por criar conteúdos sobre o assunto; e dá dicas para quem quiser se inteirar sobre o tema.
Nátaly, como e de onde surgiu o seu interesse pela moda?
“Eu passei por um processo muito importante de orgulho e consciência da minha negritude entre os 15, 16 anos. Encontrei um trabalho de meio-período em uma empresa de cursos de beleza e, nela, eu fiz um curso de tranças e dreads em cabelos. Nesse momento, eu tive acesso a uma série de informações sobre negritude, herança afro-brasileira, estética negra. E eu – que alisava o meu cabelo e que tive uma relação muito ruim com a minha negritude durante minha infância e adolescência -, comecei a olhar para o meu cabelo.
Pensar no meu cabelo me fez entender a importância da minha identidade, e pensar sobre a minha identidade expandiu para fora da minha cabeça. Então eu não estava mais pensando só na textura do meu cabelo, nos penteados que afirmavam a minha identidade, mas eu comecei a pensar nas cores, nas formas e nos tecidos que pudessem representar quem eu era.
Então, eu acho que a moda entra na minha vida quando eu passo por um processo muito pessoal e político de compreensão de quem eu era como uma menina negra. Até então, eu tentava me vestir como as garotas brancas da escola. Eu usava muitos tons de rosa e branco porque eu queria ser feminina, já que durante toda a adolescência fui vista como uma menina que vivia meio suja e bagunçada. Eu comecei a perceber como o que eu usava e o que eu achava que gostava, na verdade, estava muito associado ao que eu queria ser e o que eu queria ser era branco. O que eu queria ser era europeu e não negro.
Quando eu tomo consciência da importância da minha negritude, busco, através do meu cabelo, a minha identidade, e a moda vem completamente junto. Inclusive, eu fiquei numa fase tão orgulhosa da minha negritude que eu só usava tons terrosos. Eu uso tons terrosos até hoje, mas nessa época da minha vida, eu só usava tons terrosos porque eu dizia que eram as cores da minha pele, da pele da minha mãe, e elas me favoreciam. E foi nesse momento que surgiu o meu interesse.”
E a moda sustentável, especificamente, como ela entrou na sua vida e como se tornou importante para você?
“É engraçado pensar nisso. Hoje em dia, a moda sustentável e consciente, para mim, é um posicionamento político. É um posicionamento frente ao mundo, às demandas de consumo e às imposições capitalistas da indústria da moda. Mas lá no começo eu só não tinha dinheiro para comprar roupa e usava roupa de segunda mão.
Nesse processo de compreensão da minha identidade, eu fui atrás de roupas onde eu tinha acesso que eram os bazares da minha cidade (Assis, em São Paulo). E meu pai sempre foi um “rato” de brechó e bazar. Eu falo que ele é uma realeza da roupa velha lá na minha cidade. Então, era uma realidade que eu já vivia por conta das minhas ausências financeiras. Eu consumia roupa velha porque era a minha única alternativa. Então, eu tive que buscar maneiras e ferramentas de conseguir me movimentar de uma forma mais confortável, já que esses eram os locais aos que eu tinha acesso e eu tinha que fazer as roupas representarem quem eu era. Durante esse tempo, eu também aprendi a costurar.
E aí, um dia, pesquisando o que eu fazia, eu caí no termo upcycling que, para mim, era só customização. Mas não: eu entendo que upcycling, o ato de transformar e ressignificar uma peça, vai muito além de colocar uma lantejoula ou uma fitinha para ela ficar mais divertida. É você transformar algo que muitas vezes está estragado, fora de moda ou fora das tendências da indústria em algo novo, que reflita aquele desejo de expressão artística de moda do momento, que caiba em alguém ou que não pareça tão antigo e velho como era.
Por isso, quando eu entro em contato com o termo upcycling, que era algo que eu fazia inconscientemente, eu entro nesse mundo de informação sobre moda consciente que eu não tinha ideia que existia porque, até então, a moda consciente era uma moda por necessidade, era a moda da ausência. Ela era sustentavelmente inconsciente.
Entendendo que o que eu fazia era upcycling, eu consegui começar a acessar um monte de literatura. Quando eu começo a estudar, eu consigo nomear teoricamente tudo aquilo que eu já vivia, já acreditava, aí a moda sustentável inconsciente passa a ser uma moda sustentável e consciente do que eu estava fazendo, do que eu estava comprando. E como eu já tinha essa plataforma que era o meu canal na internet, eu só comecei a dar nome aos bois e mostrar para as pessoas a partir dessa perspectiva mais elaborada.”
Quando você faz a comparação em relação à sua forma de consumir roupas entre a época em que você começou o canal e hoje em dia, você identifica alguma diferença?
“Com certeza! Na época em que eu comecei o canal, não tinha nada. Estava num momento de crise identitária e profissional. E quando eu começo, em 2015, eu percebo que ele pode me ajudar a fomentar os meus outros trabalhos. Eu fazia faculdade de ciências sociais, já estava no segundo ano, e lá eu vivia de bolsa. A faculdade me pagava para eu conseguir comer, estudar e morar. Infelizmente, hoje isso está cada vez mais difícil mas, em 2013, essa realidade permitiu que eu saísse do interior e fizesse uma faculdade federal em São Paulo.
E nesse contexto, eu fazia tranças para ganhar uma grana – eu me tornei trancista por conta daquele curso que fiz com 15, 16 anos -, e um dia eu comentei (no canal) que eu fazia tranças, mostrei as minhas tranças e, de repente, eu tinha um milhão de clientes por conta do meu canal, no meu primeiro ano no YouTube. E aí, era um show!
E nesses primeiros anos da minha faculdade, em que eu trancei cabelo e usei o meu canal para fomentar o meu trabalho como trancista, pela primeira vez eu vi um dinheiro extra, e isso me autonomizou em relação à moda também. E eu comecei a fazer o quê? Gastar em brechó!
Naquela época, eu buscava os brechós mais escondidos e esquisitos, em que um monte de roupa era um real. Hoje em dia, eu sigo comprando roupa em brechó. Mas, sete anos depois, eu não tenho mais força na coluna para ficar me debruçando em montes de roupa, eu tenho rinite, eu não posso mais me submeter a essas situações (risos) e, na verdade, eu não preciso mais. Antes era também um lugar de necessidade e, hoje, eu compro roupa em brechó, não porque eu não tenho dinheiro para comprar roupa em loja, eu poderia comprar, mas eu acredito na roupa usada, no potencial criativo e na descoberta da roupa de brechó e bazar.
Hoje eu me dou a oportunidade de ser mais confortável nos meus processos. Eu escolho brechós que são ligados a instituições, que geralmente são um pouco mais caros, mas que eu sei que o dinheiro vai ser direcionado para projetos e programas sociais. Hoje eu doo as minhas roupas, ao contrário de antes que eu comprava roupa em brechó e revendia roupa para brechó para poder comprar mais roupas em brechó. Hoje eu tenho a possibilidade de só doar, então eu compro a minha roupa e quando ela fecha o ciclo na minha vida, eu posso doar para aquela mesma instituição para que ela continue o ciclo na vida de outra pessoa.”
Por ser uma criadora de conteúdo que fala de moda sustentável, quais são os desafios que você enfrenta?
“Como eu estou há muitos anos nesse mercado – eu vou fazer 7 anos de produção de conteúdo -, de alguma forma eu consegui construir uma ótima marca pessoal. As pessoas olham para mim, para o que eu faço, e conseguem se lembrar que eu falo sobre veganismo, moda sustentável, ciências sociais, que eu falo, enfim, sobre brechó no geral e, agora, aromaterapia e essas coisas mais zen e místicas que fazem parte também da minha trajetória. Então eu acho que, ao longo dos últimos anos, consegui construir esse lugar de respeito. Mas a gente também tem um novo fenômeno na sociedade atual, que é o greenwashing (prática de camuflar, mentir ou omitir informações sobre os reais impactos das atividades de uma empresa no meio ambiente).
Então existem marcas, empresas ou iniciativas que querem comunicar sustentabilidade e responsabilidade social e, quando fazem isso, vêm direto para mim. E aí, a gente tem que fazer um filtro. A gente entra em um monte de sites, procura matéria em jornal para tentar entender a relação daquela marca com aqueles temas. Porque tem muitas marcas que começaram a falar sobre sustentabilidade e consciência ontem, de uma forma mais externa do que interna, e esses riscos são muito grandes para mim como marca, como empresa mas, principalmente, para o que eu acredito como pessoa. Não é esse tipo de incentivo que eu quero dar para o meu público consumir.
Eu digo mais não do que sim, e do ponto de vista de uma pessoa que quer crescer, quer construir uma realidade e tem desejos, isso dói. Mas esse filtro é o que garante que eu consiga fazer um trabalho verdadeiro, responsável e consistente porque, apesar de tudo, eu gosto de produzir conteúdo. Eu amo ser criadora de conteúdo. Eu tenho prazer em falar com as pessoas e a minha comunidade é a coisa mais importante que eu tenho. Então, se eu perco a confiança deles, para mim eu perco tudo.”
Hoje quem assiste a um conteúdo qualquer que seja que tenha você acaba saindo com a sensação de ter aprendido ou refletido sobre algo. Você acha que isso é uma evolução positiva de como você faz a inserção de pautas?
“Com certeza! Você tocou no ponto central do que é trabalhar com pautas sociais, ambientais na internet. É a surpresa, é o inesperado. A gente tem a possibilidade no online de falar sobre coisas muito importantes a partir do banal, do diário, do corriqueiro, do entretenimento, do cinematográfico.
A gente vai falar sobre a cerimônia do Oscar e pode falar sobre etarismo e misoginia. A gente vai falar sobre Big Brother Brasil (BBB) e falar sobre racismo, machismo, LGBTfobia, entre várias outras coisas. Eu sempre vi esse poder oculto na internet.
As discussões ambientais, sociais, de gênero e raciais começaram a crescer na internet nos últimos 8, 9 anos, é muito recente. Antes a gente tinha esses grupos localizados nos movimentos sociais e nas faculdades. E aí começaram a surgir subnichos nos grupos do Facebook, em que as pessoas se juntavam para discutir essas questões e, de repente, essas pessoas foram falar em primeira pessoa, foram para essas plataformas, e eu estou nessa primeira onda, junto com vários outros canais falando sobre identidade, negritude, transsexualidade… no mesmo momento. E isso para mim é um marco. E não é um marco de descobrimento dessas pautas, a gente não descobriu pauta nenhuma, a gente só trouxe essas pautas para um novo contexto um pouco mais casual e acessível.
Por isso, quando eu venho à internet, eu tenho muito claro que vou entrar ali como um cavalo de tróia para trazer essas informações. Esse é muito meu movimento com o veganismo, por exemplo. Muitas pessoas que me acompanham comem carne e não pensam sobre isso. Mas depois de me acompanharem tanto e de acessarem esse conteúdo de uma forma não vexatória, não violenta, não acusatória… Elas falam “puts, eu posso reduzir o meu consumo de carne. E se eu começar a reduzir? Agora eu tenho informação para pensar sobre isso.”
E não que isso seja um planejamento maquiavélico, mas se em, sei lá, três ou quatro anos, alguém fala “comecei te assistindo e hoje em dia eu sou vegana” ou “hoje em dia eu parei de comer carne”, isso, para mim, é uma vitória, sabe? Mesmo que a pessoa não pare, mas só de ela ter consciência do impacto da indústria da carne e da pecuária no meio ambiente para se posicionar contra ela quando for, por exemplo, escolher em quem votar… Isso para mim é gigantesco.”
Quais dicas você daria para alguém que quer começar a se inteirar sobre as pautas que você aborda na internet?
“Eu acredito muito no potencial da internet como disparadora dessas conversas. Você planta sementes, incentiva, mostra um caminho possível que talvez essa pessoa não tinha visto antes. E acredito nos limites da internet também, dentro dessas questões.
Eu, Nátaly, não vou falar da melhor maneira sobre veganismo, sobre sustentabilidade, sobre questões raciais. Eu vou falar a partir das minhas perspectivas, com as minhas vivências e leituras que vão ser muito diferentes das perspectivas, vivências e leituras de uma outra pessoa. E você pode encontrar essas pessoas na internet também.
Mas você encontra essas informações principalmente em cursos, livros, movimentos e discussões sociais e projetos fora da internet. Eu acredito muito no potencial do online, eu acredito que você pode se educar, se estruturar, se relacionar, mas tem que ter uma pluralidade de experiências até falar “é isso que eu penso, é isso que eu acho. O que eu acho não é o que a Nátaly acha. O que eu acho é o que todas essas pessoas podem achar juntas, junto das outras vivências e bagagens que eu encontro em diversos outros lugares.”
Portanto, as minhas dicas são muito simples: busque informações para além da internet, para além dos seus influencers, faça leituras, leia artigos, vá para jornais, blogs… porque a gente fica muito mal acostumada com a pessoa passando o texto completo num vídeo, com meme no meio, com música gostosa no fundo. Então, se dedique, busque capacitação quando você quiser se aprofundar em algo mais complexo. E busque vivências, experiências, converse com outras pessoas da área, com outras pessoas dentro desse meio ou desses círculos que você tem, e tente aplicar o máximo na sua vida, tente viver essas realidades.
Se a gente está falando de moda sustentável, assista aos meus vídeos, valorize o meu conteúdo sobre sustentabilidade (risos), vá aos brechós que eu indico, mas busque outros também. Faça um curso pensando nisso. Busque iniciativas que trabalhem com costureiras e que falam sobre moda sustentável. Busque brechós e bazares que trabalhem com roupa usada, ajude essas pessoas a pensar em novas alternativas e ferramentas para ampliar o impacto disso, sabe, busque construir uma rede diversa em que você possa ter várias referências sobre a mesma coisa para, daí então, entender o que você acredita, o que você acha e compreender os caminhos que você pode tomar em qualquer canto, em qualquer área da vida.”
Design de Moda
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