Moda sustentável: alternativas de produção e de consumo para se ter um meio ambiente mais preservado

Última atualização
01 jun 2023
Tempo de leitura
15 min

A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo. Contra a corrente, a moda sustentável surgiu para combater este cenário

Somos impactados diariamente por informações sobre o lançamento de novas coleções de roupas. São estímulos para a compra de produtos para que fiquemos sempre na moda. Apesar de parecer inofensiva, a indústria da moda tende a incentivar o consumo acelerado de roupas. Este é um processo que tem deixado marcas de degradação no meio ambiente como toneladas de resíduos têxteis que são descartados de forma irregular em aterros sanitários e lixões.

A moda sustentável surgiu para eliminar ou minimizar os impactos ambientais durante o processo de desenvolvimento de produtos até o seu pós-consumo. Esta vertente da moda, ao mesmo tempo que propõe alternativas para que o processo de confecção seja feito de forma menos prejudicial, também nos mostra a importância de se consumir produtos de maneira mais consciente.

Para saber mais sobre o assunto e identificar quais são as oportunidades profissionais nesse segmento, conversamos com a fundadora e CEO da Roupateca, Flávia Nestrovski.

Fundadora e CEO da Roupateca, Flávia Nestrovski

Os vilões da indústria da moda e seus impactos

Para produzir “roupas da moda”, a indústria causa muitos impactos ambientais e sociais. Entre eles: gera toneladas de resíduos têxteis, usa recursos hídricos de forma irresponsável, danifica a natureza e explora mão de obra barata.

Consumo desenfreado gera toneladas de resíduos têxteis

Hoje a indústria da moda tem uma alta demanda de produção, e esse cenário tem a ver com o fast fashion (“moda rápida”, em português). O fast fashion é um padrão em que produtos são fabricados, consumidos e descartados de forma rápida.

Ao mesmo tempo que houve um aumento da quantidade de peças que as pessoas adquirem, houve também uma diminuição do tempo que elas ficam em seus armários. Mesmo que estejam conservadas, as peças podem ser descartadas por não estarem mais “na moda”.

Uma das consequências desse consumo acelerado é que ele gera muito lixo. De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), são produzidas 170 toneladas de resíduos têxteis por ano no Brasil. Desse total, 80% é destinado a lixões e aterros sanitários.

Este problema não acontece só no Brasil, mas no mundo. Parte do deserto do Atacama, no Chile, por exemplo, virou um cemitério de roupas. Isso acontece porque a roupa descartada por países da Europa, Ásia e pelos Estados Unidos são enviadas ao Chile para ser revendida. Porém, boa parte é descartada de forma irregular.

“O cemitério do deserto do Atacama não é só de roupas usadas. Tem marcas de fast fashion que mandam as peças que não foram vendidas para lá. Além disso, roupas que as pessoas acham que estão doando e fazendo o bem também acabam neste local”, acrescenta Flávia.

Parte do deserto do Atacama, no Chile, virou um cemitério de roupa. Foto: Nicolás Vargas/BBC

Recursos hídricos são usados de forma irresponsável pela indústria da moda

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a indústria da moda é responsável por 20% do desperdício de água no mundo. Se focarmos no processo de produção, além de consumir uma grande quantidade de água, também pode poluí-la. Para termos uma ideia, Flávia traz alguns pontos:

  • Para produzir uma peça de jeans no Brasil é utilizado, em média, 10 mil litros de água, um recurso hídrico limitado;
  • Já para produzir um par de sapatos de couro bovino pode ser usado até 8 mil litros de água;
  • Empresas que trabalham com tingimento de tecido e não tratam a água antes de devolvê-la para o rio acabam contaminando a água com produtos químicos;
  • O poliéster quando é fabricado com produtos químicos como cobalto, brometo de sódio e óxido de antimônio e não é manejado de forma adequada, pode afetar os cursos d ‘água.

A produção de produtos danifica a natureza

Os tecidos sintéticos produzidos do petróleo e/ou do plástico, quando são descartados de forma irregular ou até durante a lavagem de roupa, podem soltar milhões de microfibras de plástico na água. Estes minúsculos pedaços de plásticos acabam na nossa água potável e também representam uma ameaça aos peixes que podem confundi-los com comida.

Além disso, de acordo com a ONU, a indústria da moda é responsável por 8% dos gases do efeito estufa. A produção é responsável por 70% dos gases, e os outros 30% ficam por conta do transporte, distribuição e uso do vestuário, segundo o relatório Fashion on Climate, da consultora McKinsey.

A indústria da moda explora a mão de obra barata

Além do impacto ambiental, a indústria da moda também causa impactos sociais. Por causa da alta demanda na produção de produtos devido ao fast fashion, diversas empresas já foram acusadas, por exemplo, de expor pessoas a condições subumanas de trabalho.

Para diminuir os custos, grandes empresas descentralizam a sua produção. Muitas vezes, esse deslocamento é feito para países em que não há leis trabalhistas. Como resultado, temos pessoas que trabalham em péssimas condições. Tragédias também podem acontecer, como foi o caso do Rana Plaza.

O Rana Plaza era um edifício que ficava em Bangladesh e abrigava fábricas de confecção de roupas. Lá, eram empregados mais de 2 mil trabalhadores que produziam itens para empresas como Walmart e Primark. Estes trabalhadores recebiam um salário mensal de aproximadamente R$360 e faziam uma jornada de trabalho de 10 horas, durante seis dias da semana. Após descumprimento de normas de segurança, o prédio desabou, em abril de 2013, o que acabou matando mais de mil pessoas.

Desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, que aconteceu em abril de 2013. O edifício abrigava fábricas de confecção de roupas em que trabalhadores eram submetidos a jornadas exaustivas de trabalho, em um ambiente precário. Mais de mil pessoas morreram por causa do desabamento. Foto: Reprodução Uol

No Brasil, já tivemos notícias sobre bolivianos que vêm para o país com a perspectiva de melhorar de vida, mas que acabam trabalhando em confecções de roupas com condições precárias. Jornadas exaustivas, salário incompatível, locais insalubres fazem parte da realidade dos imigrantes que estão nos bastidores do mundo da moda.

A moda sustentável oferece soluções para os problemas ambientais causados pela indústria da moda

A moda sustentável é uma vertente que está em crescimento nos últimos anos. Ela sugere que os produtos da indústria da moda devem ser produzidos e consumidos de forma mais saudável. Entre as soluções que oferece são:

  • Usar tecidos que causem menos impacto ambiental como algodão orgânico e lã;
  • Reduzir o desperdício dos tecidos durante as etapas de corte e costura;
  • Utilizar corantes naturais;
  • Usar de forma eficiente os recursos hídricos na fabricação e no cultivo da matéria-prima;
  • Dar prioridade à produção em pequena escala;
  • Respeitar os direitos e assegurar condições dignas de trabalho para os profissionais.

Porém, para se ter uma indústria da moda mais sustentável, não basta apenas mudar a forma que se produz a roupa. É necessário que a maneira de consumo também seja mais sustentável. De forma geral, a moda sustentável estimula o consumidor a adquirir apenas o que realmente precisa.

Muitas vezes, temos um armário lotado de roupa e, mesmo assim, ficamos com o sentimento de que não há opções para usar. Nesses casos, é possível que a gente nem saiba exatamente o que tem no armário.

“Eu acho que com o fast fashion, a gente entrou num ciclo de compras desenfreadas. Com a pandemia, a gente parou em casa e se viu diante de armários abarrotados e pôde pensar ‘para que tudo isso?’ Agora que a vida está voltando ao normal, em que se está voltando a sair, não se pode esquecer que a gente não precisa nem da metade das coisas que tem”, pontua Flávia.

É preciso criar uma consciência para que se tenha o necessário e usar os produtos com inteligência. “Eu sou muito fã do armário cápsula (armário composto por poucos itens que são essenciais, atemporais e combinam entre si) e usar serviços como o da Roupateca, de guarda-roupas compartilhados, ou alugar quando for preciso”, comenta Flávia.

Assim como estamos vivendo um momento em que as pessoas têm menos carros, este também pode ser um futuro para a moda. Um futuro mais sustentável. Não podemos esquecer que é responsabilidade das marcas e dos consumidores decidirem escolher um posicionamento ético frente à indústria.

O cenário da moda sustentável no mundo

A moda sustentável vive um momento antagônico no Brasil e no mundo Enquanto há grandes empresas como a Malwee e a Renner se posicionando a favor da sustentabilidade (assista ao vídeo abaixo) e produzindo de forma mais responsável, na contramão a gente vê a popularização da Shein.

MODA RESPONSÁVEL | #IssoéRe

A Shein é classificada como uma ultra fast fashion. Enquanto a fast fashion lança coleções de quinze em quinze dias, a Shein consegue fazer esse lançamento muito mais rápido. De acordo com Flávia, a Shein é uma empresa muito fechada e não se sabe como as peças são produzidas, como as pessoas são remuneradas e como as peças podem ser tão baratas.

Site da Shein

“É por isso que eu falo que a gente está nesse momento muito antagônico no mundo. Enquanto a gente vê essa mudança no mercado e no mindset do consumidor, vem a Shein que cresce avassaladoramente e abre uma loja no Rio de Janeiro. Nós temos que acompanhar o que vai acontecer, mas, como em tudo no nosso país, a gente está com esses dois extremos: espaço para a ultra fast fashion e espaço para a moda consciente”, opina Flávia.

Oportunidades para quem quer atuar com moda sustentável

Ainda que antagônico como abordamos neste texto, a moda sustentável é um setor que vem crescendo no Brasil. Já vemos empresas reavaliando o seu posicionamento. Com o intuito de atender às demandas do consumidor, elas estão se adaptando aos poucos.

Apesar de ser um mercado em expansão, de acordo com Flávia, ainda não há muitos cursos sobre moda sustentável para quem deseja entrar no mercado. Um que se destaca é o Moda Limpa: Moda Sustentável com Propósito que ensina o que se precisa saber para criar um negócio de moda sustentável do zero. E outro é o Moda Sustentável e Consumo Consciente que é para quem quer entender o funcionamento e os impactos da cadeia da moda e fazer escolhas mais conscientes.

É possível também buscar informações sobre o assunto em grupos do Facebook. Na rede social, há comunidades dedicadas ao tema que reúnem pesquisadores, estudantes, empresários e consumidores desse mercado.

Ainda é um desafio fazer moda sustentável no Brasil e pode parecer complexo. Mas este é um caminho que se expande e que, cada vez mais, fica comprovado que é possível produzir produtos com responsabilidade ambiental e social, e que também pode ser um diferencial competitivo para as empresas.

Dicas para consumir produtos de forma mais sustentável

Combater toda essa indústria sozinho parece impossível. Porém, há algumas atitudes que nós, enquanto consumidores, podemos adotar para contribuir para que a indústria da moda seja mais sustentável.

Não comprar por impulso

O ambiente de uma loja é desenvolvido para que as pessoas adquiram produtos. Som do ambiente, cheiro, mimos oferecidos e promoções, por exemplo, são feitos com o objetivo de estimular o consumo desenfreado.

“Uma dica que eu dou é para que a pessoa olhe o armário e examine, de fato, de qual roupa está precisando e para qual ocasião. E quando sair para comprar, ela ter em mente essa necessidade para não se deixar levar para um caminho que a tire dessa trilha”, aconselha Flávia.

Ao adquirir um produto, é interessante optar por peças mais clássicas que não entram e saem do armário de acordo com a estação. Escolher as que fazem sentido para o guarda-roupa e que permaneçam nele por cinco ou dez anos e não por seis meses ou um ano.

Olhar a composição do produto

Alguns tecidos têm mais durabilidade do que outros. Por isso, uma dica importante é olhar a composição das peças.

“Eu sempre opto por tecidos naturais: linho, seda, lã e algodão – se o algodão for orgânico, melhor. Existem tecidos que são uma mescla como poliéster e seda que também pode ser uma opção legal. É importante dar uma olhada na composição e sentir o toque dela. Quanto mais natural esse toque for, melhor”, diz Flávia.

Outra alternativa interessante é procurar por marcas que produzem roupas de forma mais sustentável. A Malwee, por exemplo, conseguiu reduzir em 98% a quantidade de água durante o processo de fabricação de calça jeans utilizando apenas 250ml.

Higienizar as peças da forma indicada

Ao optar por tecidos mais naturais, é preciso atenção na hora de higienizá-los. Nem todos podem ser colocados em uma máquina de lavar. A preferência é que a higienização seja feita a mão. Se a peça for lavada de forma errada, ela pode acabar se desgastando e, caso isso aconteça, é provável que outra peça seja comprada para substituição.

Por isso, é interessante ter atenção às instruções que já vêm no produto para que a higienização seja feita da melhor forma. Ao cuidar bem da peça, ela durará mais tempo no armário.

Adquirir peças que combinem entre si

Flávia dá outra dica de sempre que provar uma roupa nova, pensar: eu posso combinar essa peça com as outras que eu já tenho no meu armário?

Caso a resposta seja sim, é sinal de que é uma peça versátil e que a pessoa poderá usá-la de diversas formas e em diferentes ocasiões. Assim, as escolhas ficam mais conscientes e assertivas.

Ter informação sobre a loja que está comprando

Quanto mais as pessoas souberem sobre a origem das peças que são vendidas na loja e como elas foram produzidas, melhor.

“As marcas maiores de fast fashion como a Zara, por exemplo, são auditáveis. Elas são obrigadas a ter uma preocupação com a sua cadeia de produção. Marcas pequenas, no entanto, não têm essa preocupação, e a gente sabe que tem muito trabalho análogo à escravidão com imigrantes latino-americanos que vêm para o Brasil. Então, sempre quando a gente souber de onde é a peça e como ela foi produzida, mais garantia se tem de que a gente está endossando uma cadeia de produção idônea e de uma empresa honesta”, afirma Flávia.

Procurar alternativas ao consumo de roupas

Também já foram criadas alternativas para diminuir a compra de roupas. Primeiro guarda-roupa compartilhado do Brasil, a Roupateca é, de acordo com o site, “um jeito de pensar um outro modo de consumir e de produzir impacto no mundo”.

“A Roupateca funciona como um serviço de assinatura. Você paga uma mensalidade, escolhe as roupas, leva para casa e depois devolve. Não precisa se preocupar com lavanderia nem com delivery, caso a pessoa more em um raio de 12km de Pinheiros, em São Paulo”, explica Flávia.

Segundo Flávia, muita gente chega até a Roupateca com uma demanda básica como o desejo de diversificar as peças do guarda-roupa, gastar menos dinheiro, não querer comprar mais roupas ou não querer mais os armários abarrotados. Porém, à medida que ela vai conhecendo a empresa, ela também vai ficando mais ligada em questões relacionadas à moda sustentável.

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Bruna Montenegro

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